quarta-feira, 23 de setembro de 2009


Proposta didática – Ensino Médio:Trabalhando a língua com humor
. Profa. Elaine Walker (CRE -Ijui);
. Profa. Maria Júlia Macagnan(UNIJUI)

Textos: 1 – Letra da música Repartindo a tarecama, de Davi Menezes.
2 – Piada – Crise da meia idade, internet.
3 – HQ – As típicas coisas horríveis de uma ex-esposa ressentida, de
Maitena.
TEXTO 1
Repartindo a Tarecama - David Menezes
(Música mais popular da Coxilha Nativista de Cruz Alta)
Já são quase 20 ano que sou tua por inteira
agüentando teus fiasco, cara feia e borracheira
hoje que estou chairada pra você perdi valor.
Assim não suporto mais eu só quero é amor. (Falado – imitando voz feminina)

Quando a cousa se atravessa
Vou te contar meu ermão
Deu a boba na muié
Pediu a separação
Vamo faze um acordo
Eu gritei pela janela
Repartimo a tarecama
Tudo bem me disse ela. (Cantado)

Comecemo pelos bicho: Pode levar o Totó
Deixo o Mimi e a Cocota assim não fico tão só
leva as bota de borracha o bodoque e a tua canha,
mas me deixa querosena e aquele resto de banha. (Falado – imitando voz feminina)

Leva esse pala véio e o teu baraio de truco
Deixa a jarra de matéria onde eu faço os meus Kisuco
Já separei num saquinho meus creme e as vitamina
Levo óleo de capincho e o vidro de infalivina. (Falado – imitando voz feminina)

Fica o tacho e as panela bem assim ela me disse
as cuia a bomba e bacia e as fita da Berenice
o fogão e a caçarola mais o colchão e o machado
Mas pode levar as Solinge e o quadro do colorado. (Cantado)

Leva as pilha e deixa o rádio e a tua frigideira
a gamela as morcia a lanterna e a cristaleira
Só me falta ela quere a minha coleção de bolita
meu serrote e o cantil os guides e o toca fita. (Cantado)
Vou ficar com o baú pra guarda minhas pantalona
Pode levar o teu sepo, a enxada e a cambona.
Consome com esse pelego. (Falado – imitando voz feminina)

me falou bem nesse tom (Cantado)

E me deixa uns cinco pila pra pagá a muié do Avom (Falado – imitando voz feminina)

Tá bem justa a divisão tu não acha seu coió
Pode seguir o teu caminho vai campiá outra bocó (Falado – imitando voz feminina)

Que mulher desaforada me deixou sem um vintém
Mas tá bom não demo bola, um dia a volta vem. (Cantado)

A - Pré-leitura

Colocar no quadro o nome da música e de seu compositor; solicitar que levantem hipóteses sobre a possível abordagem do texto; anotar as hipóteses; questionar o que sabem sobre seu autor e intérprete; ouvir a música e entregar a letra impressa aos alunos, para que leiam e confirmem ou não as hipóteses levantadas.

B – Atividades de leitura

1. Qual a temática da música?
2. Que aspecto do tema, a letra da música problematiza? A partir da ótica de quem?
3. Pode-se deduzir a situação sócio-econômica do casal? Como você a descreveria? Exemplifique.
4. A letra da música reproduz um diálogo entre um casal, portanto, da oralidade. Identifique, exemplifique e comente algumas dessas passagens, observando como definiria esse nível de linguagem.
5. Podemos caracterizar o perfil físico e psicológico dos personagens? Como os caracterizaria?
6. Quem tomou a iniciativa da separação? E qual foi a proposta do outro?
7. Que expressões usadas pelos personagens revelam falas tipicamente regionais? De que outras formas poderiamos dizë-las?
8. Na divisão dos bens entre o casal percebe-se uma distinção muito clara de um lado prático e de outro mais para a diversão. Comente.
9. São usadas na letra da música expressões que denunciam uma linguagem antiga. Você concorda? Identifique e comente.
10. Mesmo na aparente precariedade, a personagem feminina demonstra ter suas vaidades. Em que passagens podemos identificar isso?
11. “...as fitas da Berenice” remete a que? Esse recurso se chama intertextualidade, diálogo entre textos. Comente, trazendo uma outra passagem que dialoga com uma marca de produto muito conhecida das mulheres em geral.
12. Nos últimos versos, tanto da fala do marido, quanto da esposa, aparecem recados (ameaças, desejos...) de um para o outro. Quais são? Comente, considerando seu conhecimento de mundo, e observando se isso e normal nessas situações.




C - Produção textual

1 – Pesquise quem é o cantor nativista Davi Menezes, seu estilo, suas principais músicas, sua trajetória artística. Faça em forma de biografia e apresente aos colegas.

2 – Pesquise sobre a última Coxilha Nativista, ocorrida este ano em Cruz Alta, e elabore um texto de opinião destacando porque essa música ficou tão popular.

3 - Reescreva a letra da música passando-a para a linguagem culta. Após isso, analise e comente se a referida música causaria o mesmo impacto e se tornaria tão popular. Observe onde esta a ironia e o humor da mesma. Apresente o resultado de suas observações em forma de resenha critica.

4 - Você conhece uma história de separação semelhante? Relate ou transforme-o numa crônica, procurando destacar os episódios engraçados e inusitados da divisão ‘da tarecama’.

5 - Faça uma paródia da letra dessa música, trabalhando o tema: escola.

6 – Elabore um texto, em forma de ensaio, analisando/comentando/opinando sobre as dificuldades de convivência entre os sexos, abordando possíveis razões para a vulnerabilidade das relações e a falta de tolerância.

7 – Desenhe os personagens como você imagina que eles sejam e em seguida, transforme a letra da música numa HQ.

8 - Imagine que duas vizinhas tenham ouvido o diálogo do casal sobre a separação. Faça um novo texto que inclua o diálogo dos comentários da separação.

9 - Imagine que a mulher do personagem da letra da música tenha recebido um bilhete anônimo antes de ter pedido a separação. Imagine e descreva o teor desse bilhete
Texto 2
Piada: Crise da meia-idade
(Recebido via internet)

Um dos segredos da fidelidade é uma mulher inteligente! Quando eu completei 25 anos de casado, introspectivo, olhei para minha esposa e disse:
- Querida, 25 anos atrás nós tínhamos um fusquinha, um apartamento caindo aos pedaços, dormíamos em um sofá-cama e víamos televisão em uma TV preto e branco de 14 polegadas. Mas, todas as noites, eu dormia com uma loira de 25 anos. E continuei:
- Agora nós temos uma mansão, duas Mercedes, uma cama super King size e uma TV de plasma de 50 polegadas, mas eu estou dormindo com uma senhora de 50 anos. Parece-me que você é a única que não está evoluindo.
Minha esposa, que é uma mulher muito sensata, disse-me então, sem sequer levantar os olhos do que estava fazendo:
- Sem problemas. Saia de casa e ache uma loira de 25 anos de idade que queira ficar com você. Se isso acontecer, com o maior prazer eu farei com que você, novamente, consiga viver em um apartamento caindo aos pedaços, durma em um sofá-cama e não dirija nada mais do que um fusquinha.
Sabe que fiquei curado da minha crise de meia-idade?
Essas mulheres mais maduras são realmente demais!

Pré-leitura
Colocar o título da piada e solicitar que levantem hipóteses sobre a possível abordagem do texto. Anotar as hipóteses, entregar o texto para leitura.

Leitura expressiva
Grupos de três componentes para realização de uma encenação do texto.

Atividade de leitura
1. Qual a temática da piada?
2. Qual a importância dos bens materiais na relação conjugal, conforme a piada?
3. Qual a intenção do homem ao rememorar os vinte e cinco anos de casados?
4. Qual foi a resposta da mulher à sua não evolução? Por que ela surpreendeu?
5.“Parece-me que você é a única que não está evoluindo” Qual a representação de mulher implícita no texto? Em que partes do texto isso fica evidente?
6. O que caracteriza uma mulher madura?
7. Foi a idéia da separação ou de ficar sem os bens materiais que determinou o desfecho da história? Justifique.
8. Retire do texto a parte em que há uma ameaça da mulher ao marido?
9. Qual é o tipo de narrador do texto? Comprove como isso aparece no texto.
10. Originalmente, em que suporte veiculou esse texto?
11. Comente o desfecho dos textos (música e piada), analisando em que eles são diferentes.
12. Pode-se dizer que os personagens da piada são da mesma classe social do ‘casal do outro texto’?
13. Que situações da letra da música podemos perceber, de forma explicita e/ou implícita, repetidos na piada?
14. Analise aspectos dos dois textos que evidenciam representações do universo feminino, da relação dos casais e de suas situações: social, cultural e econômica e, a partir disso, faça um texto de opinião relacionando e comentando essas questões, bem como em que isso interfere numa separação.


Análise Lingüística

1. Indique, nas questões abaixo, a alternativa em que não há relação de coerência entre a frase e a informação posterior.
a)“Quando eu completei 25 anos de casado, introspectivo, olhei para minha esposa e disse:”. A expressão em destaque está estabelecendo relação de tempo.
b) “Querida, 25 anos atrás nós tínhamos um fusquinha, um apartamento caindo aos pedaços, dormíamos em um sofá-cama e víamos televisão em uma TV preto e branco de 14 polegadas. Mas, todas as noites, eu dormia com uma loira de 25 anos”. – Poderíamos substituir a expressão em destaque por logo sem alteração de sentido para o texto.
c) “Agora nós temos uma mansão, duas Mercedes, uma cama super King size e uma TV de plasma de 50 polegadas, mas eu estou dormindo com uma senhora de 50 anos”. - Poderíamos substituir a expressão em destaque por porém sem alteração de sentido para o texto.
d) “Saia de casa e ache uma loira de 25 anos de idade que queira ficar com você. Se isso acontecer, com o maior prazer eu farei com que você, novamente, consiga viver em um apartamento caindo aos pedaços, durma em um sofá-cama e não dirija nada mais do que um fusquinha”. Com pequeno ajuste ao verbo acontecer, poderíamos substituir a expressão em destaque por caso.
2) Faça o resumo da piada.
e) Reescreva o resumo da piada, transformando-a em primeira pessoa e do ponto de vista da mulher.


Produção textual

1. Faça uma piada tentando mostrar um dos principais defeitos masculinos.

2. Você conhece alguma história de casal que viva junto apenas por conveniência, por não querer dividir os bens? Relate por escrito ou invente uma história.


Regras dos homens
Mulheres, estas são as nossa regras:
Mamas e bundas existem para serem olhadas não tentem mudar isso
Aprendam a manejar o tampo da sanita, se ele está levantado, baixem-no. Vocês precisam dele em baixo, e nós precisamos dele em cima. E nem por isso não nos ouvem reclamar por ele estar para baixo.
Dia de futebol é sagrado, é como a lua cheia ou a mudança das marés, não se pode mudar isto.
Fazer compras não é um desporto
Choro é chantagem
Se querem alguma coisa, peçam. Não vale a pena estarem com dicas subtis ou até demasiado óbvias. Apenas peçam o que querem.
“Sim” e “não” são respostas perfeitamente aceitáveis para a maioria das perguntas. Porque é que temos de dissertar como vocês, se podemos dizer tudo só com estas duas palavras.
Dor de cabeça que já dura á mais de 2 meses, é um problema. Consultem o vosso médico.
Nós homens somos deficientes no que toca a argumentar numa discussão. Isto porque temos a necessidade de que o que estamos a dizer faça sentido.
Se vocês acham que estão gordas, é porque realmente estão. Não nos perguntem isso.
Sempre que possível digam o que nos têm a dizer durante o intervalo dos jogos.
Vasco da Gama não precisou de orientações, por isso nós também não. Não façam mais isso.
Se alguma parte do nosso corpo sente comichão, será coçado. Nós funcionamos assim.
Se perguntarmos se está tudo bem, ou se está alguma coisa errada, e vocês disserem que não têm “nada”, nós acreditamos e não perguntamos mais nenhuma vez. Não há necessidade de discutir por isso.
Se fazem a pergunta e não querem ouvir a resposta, então estejam preparadas para ouvir o que não querem.
Não nos perguntem o que estamos a pensar, a não ser que queiram discutir, sexo, futebol ou carros.
Vocês têm roupas suficientes. Vocês têm sapatos a mais
Sim eu sei, se a minha Fiancé ler isto provavelmente vou dormir no sofá. Mas pronto também é divertido, é mais ou menos como acampar
internet

3. A exemplo do texto “regra dos homens” faça um texto instrucional (enumerativo), na ótica feminina, das principais involuções masculinas.

4. Reconte a piada do ponto de vista da mulher, acrescentando elementos lingüísticos e gráficos (pontuação, como exclamação, interrogação, etc.) que possam torná-la mais atrativa.

5. Faça uma carta em tom de fofoca contando novidades de casais, celebridades, que se separaram ultimamente.

6. Inspire-se e produza uma receita de homem ideal, em forma de poema.

7. Elabore uma receita de mulher ideal, em forma de poema.

8. Você deve ter ouvido/conhecer muitas piadas que abordam o tema em questão. Faça uma coletânea (escrita) das mesmas.

TEXTO 3
Diálogo entre textos

a) O título do texto em questão permite estabelecer alguma relação com os textos trabalhados anteriormente? Comente.
b) Que expressões do título permitem inferir as características psicológicas da personagem em questão? Essas características são positivas ou negativas? Normalmente estes tipos adjetivos são usados para que? Comente.
c) Como você vê quem produziu o texto em análise foi uma mulher. A que você atribui a intenção de ela ter produzido este texto? Você conhece outras produções desta autora?
d) O texto ‘Repartindo a tarecama’ foi produzido por um homem, com a deliberada intenção de provocar/polemizar. Em que aspecto pode-se dizer que o texto de Maitena se parece com de Davi Menezes?
e) A piada trabalhada anteriormente traz um enfoque masculino. Releia o título da HQ de Maitena e analise se há um ponto de contato entre a ameaça da personagem feminina da piada com as ‘coisas horríveis’ que a autora da HQ abordará no texto a seguir.

Leitura do texto

Lida a HQ de Maitena, a hipótese levantada a partir do titulo, na questão anterior, confirma-se? Comente.

Esquadrinhando o texto de Maitena (compreensão, interpretação, interação e
extrapolação)

1. Qual a temática do texto?
2. Quantos quadros compõem a HQ?
3. Quais as seis coisas típicas de uma mulher ressentida?
4. Considerando nosso conhecimento de mundo, sabemos que normalmente as separações envolvem dois campos: o econômico e o afetivo. Podemos visualizar esses dois blocos no texto em questão? Quantos quadros exemplificam esses blocos e como isso se manifesta?
5. Por que os personagens dos quadros não são iguais? O que isso significa?
6. Por que o último quadrinho surpreende?
7. Qual a relação que existe entre essa HQ com os textos anteriores? E do ultimo quadro da HQ com os referidos textos?

Analisando o funcionamento do texto

1.Indique a alternativa em que não há relação de coerência entre a frase e o que é dito posteriormente.
a) Procurar um advogado feroz para tirar tudo o que ele tem. – A expressão em destaque poderia ser substituída por aquilo, sem alteração de sentido.
b) Procurar um advogado feroz para tirar tudo o que ele tem. - A expressão em destaque poderia ser substituída por a fim de, sem alteração de sentido.
c) Não deixar que ele entre na sua casa. – A expressão em destaque refere-se ao ex-marido.
d) Manipular os horários de visita dos filhos para estragar o fim de semana dele. - A expressão em destaque poderia ser substituída por logo, sem alteração de sentido.

2. No diálogo do primeiro quadrinho, a quem se referem as expressões dele e isso?

3. “...não, pai, a mãe disse que não pode me visitar porque você pode pegar uma doença...” .
a) Nesta fala do terceiro quadrinho poderíamos suprimir a primeira expressão em destaque e substituir a segunda, por ‘pois’ sem alterar o sentido do texto? Explique.
b) Considerando que o excerto acima reproduz uma fala, reescreva-o num discurso indireto.

4. “Não deixar que ele entre na sua casa”.‘Sua’, de quem? Que critérios você usou para chegar a essa resposta? Isso indica o quê?

5. Na fala da ex-mulher do penúltimo quadrinho a expressão ou dá idéia de que?


Produção Textual

1. Imagine tudo o que a mulher do quadro três pensou e faça um monólogo.

2. Imagine a discussão que se travou com as imposições postas no quadro 4 e faça um diálogo de continuação ao quadro.

3. Dê continuidade ao diálogo começado no quadro 5.

4. Imagine o diálogo que se travou entre o casal do último quadro tentando rememorar os acontecimentos de quando se conheceram e de continuidade a essa conversa, dando o tom que desejar.

5. Dê continuidade a lista de ‘coisas horríveis’ possíveis de serem feitas por uma ex-esposa ressentida. Ilustre.

6. Tendo como referência a HQ trabalhada, crie uma lista de ‘coisas horríveis’ de um ex-marido ressentido. Ilustre.

7. Você conhece alguma história de ‘coisas horríveis’ feitas por algum ex-marido? Relate.

8. Você conhece a obra da escritora argentina Maitena? Faça uma pesquisa sobre a autora e apresente aos colegas.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Trabalhando A Leitura.

Objetivos:
- estimular os alunos a lerem;
- desenvolver o hábito da escuta;
- identificar elementos narrativos;
- identificar aspectos do enredo;
- ensinar a resumir;
- transcrever os textos mudando de foco narrativo e fazendo os ajustes necessários.


Metodologia:

Contação de histórias e mediação. Ativação do conhecimento prévio. O que vocês lembram da história lida, como podemos resumi-la. Resumo oral e construção coletiva do resumo no quadro. Depois, reescrevemos a mesma história do ponto de vista das personagens em 1ª pessoa. No caso, reescrevemos a história do ponto de vista do Pedro, do Fazendeiro e dos porcos.




PEDRO MALASARTES E O LAMAÇAL COLOSSAL


VOCÊ CONHECE O PEDRO MALASARTES? Se não conhece, pode ir se pré-parando porque ele pode aparecer aqui a qualquer hora.
Ele não esquenta lugar, está sempre indo de um canto para outro. Fica um tempinho trabalhando numa fazenda, sai e vai para outro emprego num sítio, daí a pouco já está numa vila vendendo umas coisas na feira... Quando a gente menos espera, Pedro já está de novo na estrada, a caminho da cidade ou de outra fazenda onde possa ter uma oportunidade melhor. Muda toda hora, sempre em busca de um trabalho mais bem pago, de um patrão que trate bem, de um negó­cio mais interessante. Por isso, em cada história ele está fazendo alguma coisa diferente. E sempre procurando dar um jeito de se defender, garantir um prato de comida e não ser explorado. Mesmo que, para isso, acabe enganando alguém.
Acho que uma das primeiras aventuras de Pedro Malasartes foi quan­do ele foi tomar conta dos porcos de uma fazenda muito grande, de um fa­zendeiro muito rico e muito sovina.
Quer dizer, no começo Malasartes não tomava conta dos porcos, não. Trabalhava na colheita. Aliás, bem nesse começo ele ainda nem se chamava Malasartes, era só mais um Pedro como tantos outros, que ainda não tinha ficado conhecido por fazer arte nem por pregar peça nos outros. Chegou lá pedindo emprego e foi contratado para colher café.
Pedro trabalhou o mês inteiro. De manhãzinha até a noite. No fim desse tempo, quando chegou o dia do pagamento, o patrão deu a ele umas moedinhas.
— Só isso, patrão? E o salário que a gente combinou?
— Bom, eu tive que descontar sua hospedagem... Se eu for hospedar de graça todo mundo que chega nesta fazenda colossal...
— E o senhor chama de hospedagem dormir amontoado com os outros naquele barracão, numa esteira velha, direto no chão duro? — reclamou ele.
— Faz até bem para a coluna... Pedro insistiu:
— Mas foi uma hospedagem muito cara. Eu tenho pra mim que eu não dormi esse tantão, não...
Não adiantou insistir. O desconto estava feito. E o patrão ainda apare­ceu com outra explicação:
— E que tem também o desconto da comida. Se eu fosse dar comida de graça para todo mundo que chega nesta fazenda colossal...
— Um descontão desses? Pela comida? Só aquele feijãozinho ralo todo dia? E o senhor queria que eu passasse fome? Trabalhasse sem comer? Saco vazio não fica em pé...
— Claro que não quero ver você com fome! Mas comida custa dinheiro — respondeu o patrão. — Tenho que descontar do seu salário o preço do fei­jão com arroz, do sal, da linguiça, da lenha que cozinhou a comida, do óleo, do alho e da cebola que a cozinheira usou no refogado, do salário da cozi­nheira, do sabão que lavou as panelas, do...
— Chega, patrão, chega! Não precisa mais falar em tanto desconto. Mas eu tenho pra mim que eu não comi esse tantão, não...
Não adiantou discutir. O desconto estava feito.
Pedro resolveu que no mês seguinte ia ser diferente. Trabalhou do mes­mo jeito, de sol a sol, mas não dormiu no barracão nem comeu com os outros. Com o pouquinho de dinheiro que tinha ganho comprou na venda sua própria esteira e dormia embaixo de uma árvore. Pescava no ribeirão, arma­va arapuca na mata., e no fim do dia quase sempre tinha alguma coisa para assar numa fogueirinha ao ar livre. Arrumava uma frutinha aqui, outra ali, pegava uma espiga de milho verde num milharal, uma raiz de mandioca nu­ma roça, umas folhas de taioba crescendo ao deus-dará junto do córrego... Quase sempre dava um jeito de não comer com os outros. Dessa vez o pa­trão ia ver só. Não ia adiantar vir com aquela conversa de fazenda colossal. Mas, na hora do pagamento, não foi muito diferente. O patrão descon­tou um tantinho pelo aluguel do pedacinho de terra onde ele armava a estei­ra, outro tantinho pelo uso do rio, e outro tantinho pela espiga de milho, pela raiz de mandioca, pelas folhas de taioba, por tudo o que ele tinha comido.
— Chega, patrão, chega! Não precisa mais falar em tanto desconto. Mas eu tenho pra mim que eu não usei esse tantão, não... — reclamou Pedro. — Se é assim, vou-me embora. Não trabalho mais aqui.
O patrão coçou a cabeça, olhou para ele e disse:
— Só se for no mês que vem. Porque neste mês agora ainda vai ter que trabalhar para mim, para poder acertar nossas contas.
— Nossas contas? Como assim? — estranhou Pedro.
— E que ainda falta acertar sua conta com o armazém.
— Que armazém? — estranhou Pedro de novo.
— Uai, aquela vendinha na beira da estrada. Você não sabe que é minha?
— E eu lá tenho conta em armazém?
— Como não tem? E a esteira que você comprou?
— Comprei e paguei, com muita honra!
— Pagou a esteira, mas depois comprou também um pedaço de fumo de rolo e uma cachacinha... Ou não lembra que comprou?
— Comprei e também paguei, com muita honra! — exclamou Pedro, furioso.
— Pagou a primeira... — concordou o patrão. — Mas depois pediu outra, e mais outra, e não tinha mais dinheiro para pagar. Mandou botar na conta. O vendedor anotou tudo. E agora você tem que pagar. Se eu fosse deixar de graça tudo o que todo mundo compra na venda desta fazenda colossal... Pedro protestou:
— Eu tenho pra mim que eu não bebi e não fumei esse tantão, não... Com ar de bonzinho, o fazendeiro completou:
— Mas pode deixar para pagar uma parte no mês que vem.
Pedro saiu dali muito zangado. Não lembrava de ter bebido muitas do­ses de pinga. Mas até podia ser. Bem que a mãe dele dizia que isso de tomar uma cachacinha é uma desgraceira.
De qualquer modo, uma coisa ele estava entendendo: aquilo não ia ter fim nunca.
— Esse fazendeiro é um explorador! Vem com essa conversinha mole de fazenda colossal, mas está querendo me tratar feito se eu fosse um escra­vo. Não me paga e não me deixa ir embora. Ah, mas isso não vai ficar assim. Vou dar um jeito.
No dia seguinte, procurou o patrão e se ofereceu para tomar conta dos por­cos da fazenda. Esses porcos eram o grande orgulho do fazendeiro. Gordos, bo­nitos, rendiam um bom dinheiro... Mas comiam muito, fediam muito e bem que davam trabalho. Qualquer reforço para tomar conta deles era sempre bem-vindo.
— Tudo bem. Então vá cuidar da lavagem deles.
Era duro. Uma espécie de trabalho de lixeiro. Pedro tinha que ir de casa em casa, por toda a fazenda, recolhendo os restos de comida, cascas de fru­tas, alimentos estragados, todo tipo de sobra, e botando tudo nuns latões enormes e pesados, que cheiravam mal. Depois carregava baldes d'água do ribeirão, misturava tudo, jogava nos cochos e abria a porteira do cercado. Os porcos entravam correndo, derrubando uns aos outros, e se amontoavam para a comilança. No meio de uma sujeirada incrível.
Mas Pedro não desanimou. Fez tudo direitinho, no capricho. Quando acabou, perguntou ao patrão:
— Agora posso levar os porcos para passear?
— Passear? Nunca ouvi falar em porco passeando. Ficou maluco?
— Com todo o respeito, senhor, eu sempre ouvi dizer que exercício faz bem aos animais, a carne deles rende mais e fica maciazinha... Dá um preço ótimo na hora de vender.
Os olhos do fazendeiro brilharam, e ele perguntou, interessado:
— E como é que você vai levar esses porcos para passear?
— Ah, patrão, numa fazenda colossal como esta, com toda a certeza não vai faltar um lugar bem especial para seus porquinhos fazerem exercí­cios. Eu fico tomando conta, como se fosse um pastor, um vaqueiro...
O patrão deu risada:
— Um porqueiro, você quer dizer. Mas... pode levar. Só tenha cuidado para eles não se soltarem, não invadirem as roças, não darem prejuízo.
— Pode deixar, patrão. Já vi um lugar aqui perto que tem uma laminha muito simpática. Acho que eles vão gostar bastante.
Isso foi o que Pedro disse. O que ele não disse é que passara a noite car­regando água do córrego para jogar num terreno à beira da estrada, que tinha sido capinado e estava pronto para ser plantado. A noite inteira, para lá e para cá. Desse jeito, Pedro tinha preparado um lamaçal colossal. Eevou os porcos diretamente para lá, sentou-se em cima de uma pilha de tábuas que também tinha deixado preparadas e esperou.
Quando apareceu ao longe um caminhão vazio, ele fez sinal. O moto­rista parou. Pedro disse que o patrão estava numa emergência, tivera que fazer uma viagem de urgência e o encarregara de vender logo aqueles porcos, bem baratinho, para mandar o dinheiro para ele. Conversa vai, conversa vem, negociou a venda de todos os animais. Com uma única condição: os rabinhos tinham que ficar.
— E para eu poder prestar contas — explicou. — Ele saiu tão depressa que nem teve tempo de contar. Assim a gente controla exatamente quantos porcos foram vendidos.
— Agora posso levar os porcos para passear?
— Passear:5 Nunca ouvi falar em porco passeando. Ficou maluco?
— Com todo o respeito, senhor, eu sempre ouvi dizer que exercício faz bem aos animais, a carne deles rende mais e fica maciazinha... Dá um preço ótimo na hora de vender.
Os olhos do fazendeiro brilharam, e ele perguntou, interessado:
— E como é que você vai levar esses porcos para passear?
— Ah, patrão, numa fazenda colossal como esta, com toda a certeza não vai faltar um lugar bem especial para seus porquinhos fazerem exercí­cios. Eu fico tomando conta, como se fosse um pastor, um vaqueiro...
O patrão deu risada:
— Um porqueiro, você quer dizer. Mas... pode levar. Só tenha cuidado para eles não se soltarem, não invadirem as roças, não darem prejuízo.
— Pode deixar, patrão. Já vi um lugar aqui perto que tem uma laminha muito simpática. Acho que eles vão gostar bastante.
Isso foi o que Pedro disse. O que ele não disse é que passara a noite car­regando água do córrego para jogar num terreno à beira da estrada, que tinha sido capinado e estava pronto para ser plantado. A noite inteira, para lá e para cá. Desse jeito, Pedro tinha preparado um lamaçal colossal. Eevou os porcos diretamente para lá, sentou-se em cima de uma pilha de tábuas que também tinha deixado preparadas e esperou.
Quando apareceu ao longe um caminhão vazio, ele fez sinal. O moto­rista parou. Pedro disse que o patrão estava numa emergência, tivera que fazer uma viagem de urgência e o encarregara de vender logo aqueles porcos, bem baratinho, para mandar o dinheiro para ele. Conversa vai, conversa vem, negociou a venda de todos os animais. Com uma única condição: os rabinhos tinham que ficar.
— E para eu poder prestar contas — explicou. — Ele saiu tão depressa que nem teve tempo de contar. Assim a gente controla exatamente quantos porcos foram vendidos.
O sujeito achou esquisito, mas concordou. Estava com pressa. Queria fechar logo o negócio, antes que surgisse um concorrente pela estrada. Ou que aquele caipira se arrependesse de vender uns animais tão bonitos por um preço tão abaixo do que eles poderiam ser revendidos no mercado. E com os olhos brilhando, enquanto fazia contas mentalmente e calculava o lucro que ia ter, o motorista do caminhão ajudou Pedro a cortar o rabo dos animais e a guardar na carroceria todos os porcos, que subiram por uma rampa improvisada com as tábuas da pilha onde ele estava sentado.
Num instante, os dois se despediram, e o caminhão sumiu na estrada. Com toda aquela porcalhada.
Pedro pôs no bolso o dinheiro da venda e disse para si mesmo:
— Agora estou descontando os descontos. Se eu fosse deixar de graça tudo o que tiraram de mim nesta fazenda colossal...
Depois pegou os rabinhos, que tinha deixado separados em cima das tábuas, e foi espetando todos na lama, a uma boa distância uns dos outros. Todos menos um, que ficou segurando.
Feito isso, foi para a casa da fazenda. Quando estava chegando lá perto, começou a correr e a gritar, como se tivesse vindo esbaforido o tempo todo:
— Socorro! Acudam! Estou precisando de toda a ajuda! Foi uma correria, todo mundo em volta, e ele fingindo que estava sem fôlego, que nem conseguia falar.
— O que foi?
— O que está acontecendo? E o patrão:
— Cadê meus porcos?
Depois de muito ofegar, beber um copo d'água e fazer de conta que estava sem forças, Pedro finalmente explicou:
— Levei os bichinhos para passear num lugar onde não tinha nada plan­tado, e eles descobriram um bom lamaçal. Um lamaçal colossal. Eles adoraram...
— Sim, e daí? Conte logo! Onde estão meus animais?
— Estão lá, fique sossegado...
— Então pra que esse escândalo?
— Bom, patrão, é que era um lamaçal tão colossal que eles foram se afundando aos pouquinhos.
— Afundando? Como assim?
— Afundando, uai! Ficando com as pernas presas e indo para o fundo, devagarzinho. Quando eu vi, tentei segurar o que estava mais perto. Puxei, puxei, mas não adiantou nada. Olha só! O rabo dele ficou na minha mão, e o coitadinho foi sumindo...
E mostrou o rabinho que guardara.
Foi um espanto! Todo mundo queria ver. O rabo, todo enroladinho, passava de mão em mão. Pedro continuou:
— Eu então vi que não dava conta sozinho e vim correndo pedir ajuda.
— Vamos todos para lá! — ordenou o fazendeiro.
— E isso mesmo — concordou Pedro. — Mas é muito porco, nem sei se vai dar. Se o senhor me der licença, eu posso também fazer outra coisa para ajudar.
— O quê?
— Se o senhor me autorizar, eu posso selar uma mula e ir até o vizinho pedir reforço. Ele tem um trator bom, a gente pode amarrar umas cordas fortes nos bichos... Fica mais fácil de puxar.
— Boa ideia! — concordou o patrão. — Mas não vai perder tempo se­lando mula, não. Monte logo no meu cavalo, que é veloz e já está arreado. Assim vai mais ligeiro.
Era isso mesmo que Pedro queria.
Num instante já estava longe, na direção oposta à do lamaçal colossal. A cavalo e com dinheiro no bolso.
E o patrão, se não estiver esperando reforço até hoje, já deve estar com uma boa coleção de rabinhos de porco na mão. Ou ele estava pensando que ia continuar para sempre explorando todo mundo, sem nunca lhe acontecer nada, naquela fazenda colossal?
In: Pedro Malasartes e outras histórias à Brasileira. Recontadas por Ana Maria Machado. Companhia das Letrinhas- páginas 9 -16

1. Contação da história.
2. Aspectos do enredo e a elaboração do resumo
3. Identificação dos elementos narrativos no texto.
4.Genero textual
5. Suporte
6. Temática
7.Reescrita da história sob diferentes pontos de vistas, em 1ª pessoa do discurso:
a) Pedro
d) Patrão
c) Porcos.
Objetivos:
- desenvolver o hábito da escuta;
- despertar a curiosidade para a leitura de livros de causos gauchescos com linguagem regional;
- Identificar aspectos estruturais da tipologia predominantemente narrativa;
- Identificar as inversões que causam situações de humor;
-Identificar o dialeto regional no texto.
- Transformar atividades orais em escritas

Metodologia: Leitura do título e suposições do que trata. Ativação do conhecimento prévio.
Leitura do texto

Carne Branca
Aparício Silva Rillo – Rapa de Tacho 3
O doutor Castão Leio foi, por longos anos, o único médico da então cidadezinha de Guaíba, hoje uma espécie de bairro-dormitório da Grande Porto Alegre.
Mas, â época deste causo — logo após as grandes enchentes de 41/42 — Guaíba tinha suas características próprias, sua individualidade marcada. Todos se conheciam, a gente dos distritos vinha ao "povo" para suprir-se de géneros não produzidos na colónia e, especialmente, para consultar com o doutor.
Um peão do fazendeiro Queché Jardim, de que a memória de quem me passou o causo guarda apenas o apelido — "Turubamba" —, procurou na cidade o doutor Castão. Deixou o cavalo atado frente à farmácia São José (ainda existe, hoje) e arrastou as esporas rumo ao consultório, montado em duas peças contíguas ao estabelecimento. Ao ser atendido foi desfiando um rosário de atempações: dor nas cadeiras, intestino preso, boca amarga, uma dor que "me dá aqui e me arresponde no lombo".
O médico, atencioso como de seu feitio, examinou o paciente. In­dagou de seus hábitos alimentares, se bebia, apalpou o ventre do cristão, auscultou-lhe pulmões e coração, examinou-lhe a língua e concluiu, quando o Turubamba já afivelava a guaiaca:
— Teu problema é de vesícula, rapaz, ao que tudo indica. Vou te receitar uns medicamentos por quinze dias. Nesse meio tempo deixa a bebida de lado e, fundamentalmente — mas não te esquece! — nada de comidas temperadas. Come só carne branca. Volta aqui após duas sema­nas. Possivelmente, se obedeceres ao tratamento, estarás bom.
Lá se foi o Turubamba com poções e vidros de remédios na mala de garupa, mais a recomendação — que jurou seguir à risca - de só comer carne branca.
Voltou ao médico, dez dias após. Queixou-se de que, apesar dos remédios, da dieta recomendada — "só comi carne branca nesses dias, doutor" —, a barriga estava mais inchada do que antes, a "dor que cami­nhava" não havia cedido, o amargo na boca continuava.
Paciencioso, novamente o doutor Gastão examinou o doente. A região do fígado, realmente, estava entumescida, a língua saburrosa. Teria, nesta altura, de pedir alguns exames, para um diagnóstico m £ inteiro.
Informou ao Turubamba desta necessidade, talvez da mudança de me­dicação e, especialmente, da continuação da dieta. Foi aí que o íaura saltou das cuecas.
— O quê, doutor? Continuar com a carne branca? Pelo amor de Deus, se quiser abra minha barriga, me opere o figo, mas me livre desta tal de die­ta. Já tou de carne branca até o caco da cabeça, não aguento nem o cheiro da maldita, doutor Gastão!
— Bobagem, Turubamba. Carne branca não faz mal a ninguém, muito pelo contrário. Que bobagem é esta, meu rapaz?
- Bobagem, é? Então o senhor pensa que é brinquedo um vivente como eu, acostumado ao matambrem à galinha gorda, à traíra assada passar dez dias só comendo toucinho?

Atividades de interpretação relativas ao texto:
Temática:



gênero?



Características estruturais da tipologia textual;



Aspectos do enredo









Inversões que geram humor





Identificação de linguagem regional ( dialeto)



Foco narrativo e tipo de narrador
Desenvolvendo a atividade da Escuta
Objetivos:
- desenvolver a habilidade da escuta.
- fazer predições a partir de leitura oral a partir do título
- identificar aspectos de inversão semântica que geram o humor;
- identificar seqüência tipológica predominante e respectivas características

Atividade 1.
Leitura do título e suposições do que trata. Ativação do conhecimento prévio.

Leitura do texto: A Estranha Passageira de Stanislaw Ponte Preta.

A estranha passageira
– O senhor sabe? É a primeira vez que eu viajo de avião. Estou com zero hora de vôo – e riu nervosinha, coitada.
Depois pediu que eu me sentasse ao seu lado, pois me achava muito calmo e isto iria fazer-lhe bem.
Lá se ia a oportunidade de ler o romance
policial que eu comprara no aeroporto, para me distrair na viagem.
Suspirei e fiz o bacano respondendo que estava às suas ordens.
Madama entrou no avião sobraçando um monte de embrulhos, que segurava desajeitadamente. Gorda como era, custou a se encaixar na poltrona e a arrumar todos aqueles pacotes. Depois não sabia como amarrar o cinto e eu tive que realizar essa operação em sua farta cintura.
Afinal estava ali pronta para viajar. Os outros passageiros estavam já se divertindo às minhas custas, a zombar do meu embaraço ante as perguntas que aquela senhora me
fazia aos berros, como se estivesse em sua casa, entre pessoas íntimas. A coisa foi ficando ridícula.
– Para que esse saquinho aqui? – foi a pergunta que fez, num tom de voz que parecia que ela estava no Rio e eu em São Paulo.
– É para a senhora usar em caso de necessidade – respondi baixinho.
Tenho certeza de que ninguém ouviu minha resposta, mas todos adivinharam qual foi, porque ela arregalou os olhos e exclamou:
– Uai... as necessidades neste saquinho? No avião não tem banheiro?
Alguns passageiros riram, outros – por fineza – fingiram ignorar o lamentável equívoco da incômoda passageira de primeira viagem. Mas ela era um azougue (embora com tantas carnes parecesse um açougue) e não parava de badalar. Olhava para trás, olhava para cima, mexia na poltrona e quase levou um tombo, quando puxou a alavanca e empurrou o encosto com força, caindo para trás e esparramando embrulhos para todos os lados.
O comandante já esquentara os motores e a aeronave estava parada, esperando ordens para ganhar a pista de decolagem. Percebi que minha vizinha de banco apertava os olhos e lia qualquer coisa. Logo veio a pergunta:
– Quem é essa tal de emergência que tem uma porta só para ela?
Expliquei que emergência não era ninguém, a porta é que era de emergência, isto é, em caso de necessidade, saía-se por ela.
Madama sossegou e os outros passageiros já estavam conformados com o término do “show”. Mesmo os que mais se divertiam com ele resolveram abrir os jornais, revistas ou se acomodarem para tirar uma pestana durante a viagem.
Foi quando madama deu o último vexame. Olhou pela janela (ela pedira para ficar do lado da janela para ver a paisagem) e gritou:
– Puxa vida!!!
Todos olharam para ela, inclusive eu. Madama apontou para a janela e disse:
– Olha lá embaixo.
Eu olhei. E ela acrescentou: – Como nós estamos voando alto, moço. Olha só... o pessoal lá embaixo até parece formiga.
Suspirei e lasquei:
– Minha senhora, aquilo são formigas mesmo. O avião ainda não levantou vôo.
Preta, Stanislaw Ponte. Garoto linha dura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975.
Atividades feitas oralmente após a leitura do texto:

Temática:


gênero?



Características estruturais da tipologia textual;



Aspectos do enredo







Inversões que geram humor





Foco narrativo e tipo de narrador